Uma das coisas que mais me fascina
em Jesus no que diz respeito à amizade é sua predileção pelos piores. Como é
bom encontrar olhos que nos reinauguram. Quantas relações falidas porque os
amigos já não conseguem mais reinaugurar uns aos outros. Em Jesus a experiência
da amizade é um dos desdobramentos mais fascinantes do cuidado de Deus.
Ousaríamos dizer que Cristo traduz a face amiga de um Deus que nos quer por
perto.
Jesus, um Deus amigo |
A partir do contexto bíblico, vemos,
por exemplo, que Lucas nos descreve um Cristo como uma pessoa capaz de ter
amizade e que reúne amigos em torno de si. Em Lucas, Jesus dirige-se a seus
discípulos como a amigos. “A vós, meus amigos, vos digo: Não temais...”
(Lc 12, 4a). Lucas, como um bom grego, vê a amizade como um bem supremo, por
isso ele enxerga de modo especial a capacidade de Jesus para fazer amigos. Em
João, a amizade, assume ricos detalhes, sobretudo quando Jesus se dirige aos
seus discípulos dizendo: “Já não vos
chamo de servos, pois o servo não sabe o que faz o seu Senhor. Vos chamo, no
entanto, de amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvir do Pai” (Jo
15, 5). Aqui a amizade supõe intimidade. Só se faz amigo quem se torna íntimo,
quem compartilha, quem se faz próximo.
É interessante ver como essa
intimidade entre amigos é resultado de toda uma predileção pelos piores, como
dizíamos no início da reflexão. Basta um olhar demorado para Pedro, Tiago e
João, e logo entenderemos. O primeiro ainda que muito justo e sério tinha um
temperamento forte e impulsivo, como revela a cena da prisão de Jesus: “Simão Pedro, que tinha uma espada, puxou-a
e feriu o servo do Sumo – Sacerdote, decepando-lhe a orelha” (Jo 18, 10).
Tiago e João iam no mesmo ritmo, uma vez que eram como “Boanerges, isto é, filhos do trovão” (Mc, 2, 17). Bem, ao que
parece, não faltam motivos para Jesus se aproximar destes três. Dentre todos os
discípulos, Jesus escolhe a estes para ficar com Ele tanto nos momentos de
alegria no Monte da Transfiguração
(Mc 9, 2); como também para os momentos de angústia no Monte das Oliveiras (Mc 14, 32-34). Em ambas as cenas fica claro a
intimidade gerada no seio da amizade entre eles. Era o jeito do Cristo lhes
traduzir a face de um Deus Amigo, de um Deus que ama e cuida daqueles d’Ele se
aproxima.
Neste dois montes temos um dos
mais lindos rostos da humanidade de Jesus. Os verdadeiros amigos são aqueles
com os quais podemos contar tanto nos momentos de glória, como nos momentos de
sofrimento e dor. Jesus nos mostra que não existe nenhuma pessoa nesse mundo
que não precise de um ombro amigo nas horas mais difíceis. Nem precisa ser os
melhores do ponto de vista humano, pois como já vimos aqueles não tinham muitas
qualidades, mas eram os amigos os quais Jesus depositou sua confiança e
predileção, o que mais tarde os tornou “Colunas
da Igreja” (Gl 2, 9).
Não foi pretensão nossa até aqui
fazer um tratado dos laços de amizade que Jesus desenvolveu. Mas penso que outro
lugar que Jesus revela seu Amor de amigo é em Bethânia. Creio que ali nos é
sugerido um pouco mais deste cuidado amoroso de Deus. Ali Jesus chora pela
morte de seu amigo Lázaro (Jo 10, 1-11). Lázaro era um leproso; Maria sua irmã,
uma prostituta de leprosos, e Marta convivia com eles por ser sua irmã. “São a estes três, que Jesus amava” (Jo
11,5). Amava-os como amigo, como sugere a tradução do grego. É Jesus em sua
extraordinária capacidade de ser amigo nos ensinando que precisamos ter amigos
que nos acolham e nos amem do jeito que somos. Amigos que não nos julguem a
partir de um único momento, amigos diante dos quais possamos nos mostrar pelo
avesso e revelar o nosso pior; amigos que orem conosco; amigos que confiemos os
nossos segredos mais íntimos. É isso mesmo! Uma amizade enraizada em Deus tem
essa fascinante capacidade de gerar em nós aquela certeza do seu cuidado, da
sua presença, do seu Amor!
Seu irmão, Jerônimo Lauricio.
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